domingo, 30 de agosto de 2009

Existe predestinação?

A predestinação é uma das crenças mais antigas, embora sempre tenha sido combatida pelos filósofos liberais, para quem, acreditar no destino é jogar no esgoto a liberdade e a autonomia. Os grandes mitos e lendas estruturaram-se sobre essa concepção. Desde as culturas mais antigas, deuses e poderes sobrenaturais marcaram o destino dos homens e dos seres. A vida, a morte, as catástrofes, os desastres, tudo acontecia porque estava pré-determinado. Os fatos nunca eram surpreendentes; obedeciam a um plano pré-elaborado.
Da tragédia grega à shakespeariana, o destino é implacável. Édipo nasceu com o destino de casar com a própria mãe e matar seu pai. Era inútil tentar driblar o destino.
Santo Agostinho elaborou uma teoria a respeito do livre arbítrio, mesmo assim muitas religiões adotaram a concepção de que existe uma lei divina que rege os atos humanos. Assim, o sofrimento existe por vontade de Deus como forma de se chegar à recompensa eterna. É a pedagogia da retribuição. Por vontade divina, alguns são ricos, outros, não.
Essa concepção plantou na cabeça e nos corações dos norte-americanos a idéia de que nasceram para dominar o mundo. São ricos porque Deus decidiu que fossem. Então, como são os preferidos de Deus, devem dominar o mundo.
Todavia, por maiores que sejam os condicionamentos, os seres humanos se constroem pela liberdade. Acreditar no fatalismo é fugir à responsabilidade dos próprios atos. Os ladrões e os assassinos seriam vítimas da fatalidade ou responsáveis por seus delitos?
Quantas vezes ouvimos o chavão: “O que é do homem, o bicho não come”. Ou, como diz a música, “o que deve ser, será”. Tem muita gente que projeta em Deus a responsabilidade de tudo. Se alguém sofre um acidente, “foi a vontade de Deus”. É claro que não querem dizer que Deus quis matar alguém. Querem insinuar que a pessoa morreu porque era seu destino. Até porque Deus deve ter coisas mais importantes a fazer do que ficar decidindo quem vai morrer nesse acidente ou sobreviver naquele que aconteceu um segundo depois, lá na Cochinchina.
Beltrano ganha na loteria e Sicrano afirma: “era a vez dele!” Insinuou que estava decidido desde a aurora dos tempos que Beltrano ganharia na loteria no dia X do mês X do ano X.
Fulano viaja de A para B. Nunca passa dos 110 km/h. No único momento em que está a 130, é apanhado pelo único radar colocado ao longo de toda a rodovia. Destino? Se não tivesse viajado, teria sido multado? Se tivesse mantido 130km/h a estrada inteira, menos naquele trecho onde estava o radar, teria sido multado? Ah, dirão, estava escrito que viajaria, que ultrapassaria os 110 km/h naquele lugar, que o radar estaria exatamente ali.
Se você acredita que o que tem que acontecer vai acontecer, se acredita no destino, que os gregos chamavam de “moira”, então é prisioneiro dos seus instintos e Deus não o fez humano, livre e racional, autor e ator daquilo que é e será. Deus o fez boneco!
O destino não torna vãs as religiões e as filosofias? Se você não é dono da sua vida, para que trabalha? Para que reza? Por que se esforça para salvar a alma? Alguém dirá novamente: estava escrito que não se esforçaria e por isso é pobre. Ou se esforçaria, por isso é rico. Não lhe parece uma fuga da responsabilidade em assumir sua condição humana?
Se a vida é fatalista, não vale a pena viver. A beleza está no sobressalto e nas surpresas que cada um produz ao decidir soberanamente. Se souber o que vai acontecer amanhã, não terá sonhos nem esperanças nem fará planos. Se o ser humano não se fizer ao viver, estará preso aos seus instintos animais.
Fatalismo é uma prisão. O homem moderno já é prisioneiro de tantas coisas! Da TV, da revista, do jornal, da moda, da sociedade, da igreja, da escola, da língua da comadre! O fatalismo acomoda as pessoas e elas abdicam do direito de escolherem o que é ou não é bom, o que é ou não é útil. E quem renuncia ao direito de escolher torna-se escravo.
No momento em que decidiu ler esse texto, fugiu do comodismo. Se concordar ou discordar das idéias nele apresentadas, fugiu do comodismo. Ora, ao fugir do comodismo, repudiou o fatalismo. Mas se não pensou nas idéias que leu para não cansar sua preguiça, então se acomodou. E quem se acomoda, prefere deixar as coisas acontecerem.
A verdadeira grandeza do homem está no ato de construir-se, de fazer-se, de ser senhor da sua vida. Pendurar-se no comodismo para fugir à liberdade é trepar na árvore errada. Esse exercício cabe aos macacos.

Valdelírio Michel



segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Homenagem ao meu pai...

Homenagem ao Dia dos Pais


O que eu estaria fazendo neste dia dos pais?
Muito provavelmente estaria ligando ou me encontrando com meu pai, agradecendo pela educação que me deu e desejando muitos outros encontros felizes como aquele, como era de costume.
Porém, hoje não posso fazer isto, porque meu pai migrou para outro plano e nesta vida não terei mais contato físico com ele. Esta é a realidade. Restaram apenas as recordações, mas estas não são suficientes e não quero me conformar com elas. Não posso comparar as lembranças do meu pai com os momentos reais que passamos, tomando chimarrão, discutindo questões filosóficas, complexas, as dificuldades do meu trabalho, a aposentadoria dele, seus livros, as ambições e muitas coisas que eu e meu fiel amigo e companheiro conversávamos todas as semanas nos últimos anos.
Se eu fosse qualificar o Valdelírio Pai, o Valdelírio amigo, eu não teria outra definição senão perfeito. Perfeito na hora de educar, na hora de brincar e na hora de corrigir. Fico pensando como é raro encontrar um pai como o meu, que soube ensinar para os seus filhos a temperança com o dinheiro, a valorização da vida, o respeito aos outros e a educação acima de tudo. Para o meu pai esta arte parecia simples, trivial. Lembro-me que quando criança recebia uns trocados pelas notas 100 (cem) que tirava no boletim e como eu ficava feliz em tirá-las e em receber aqueles ‘troquinhos’! Mas será que o meu pai estava me comprando ou comprando meu esforço? Não! Tornou-me, com o apoio da minha mãe, uma das melhores alunas da minha escola e uma filha de quem ele se orgulhava muito. Soubesse ele que tudo o que sou e o que alcancei, se deve a ele. Quisera eu ter a lisura irrepreensível de caráter do meu pai. A honestidade e humildade que chegavam, às vezes, irritar.

Já disse Pedro Bial que ‘morrer é ridículo...obriga você a sair do melhor da festa sem se despedir’ e, pior, com muitos planos para o amanhã. Realmente, e os tantos planos que meu pai queria realizar? E aquela inteligência e consciência das coisas e do mundo? Não posso acreditar que tenham se apagado como uma vela que simplesmente termina.

Bom, o meu maior desejo hoje não posso concretizar e isto me dói imensamente. Queria estar entregando estas singelas palavras pessoalmente para o meu pai, abraçando-o, pegando em seus cabelos e em suas mãos, presenciando aquele jeitão de moleque feliz e profundamente amável. Tenho certeza que, por mais que este texto não chegue aos pés do linguajar e capacidade de expressão do meu pai, ele iria ficar emocionado, não pela beleza das palavras, mas por ter certeza da minha sinceridade.

“Enquanto aqui na terra a luta continua, nós sentimos falta sua, mas é Deus quem faz a hora” (Música de Duduca e Dalvan que eu e meu pai escutávamos lembrando do Professor Piva e que agora me faz lembrar, você, pai)

Feliz Dia dos Pais!
(Pai, nós nunca vamos dizer Adeus!).


Monalisa Michel.